29 novembro 2012

Café "Manuel Gregório" !



"Quero uma gasosa fresca!" - pedi  eu, timidamente, depois de ter entrado no Café  e visualizado, a uma curta distância de mim, a senhora Domicília no espaço destinado à venda de produtos de mercearia!

Era um dia de muito calor, daqueles em que andar na rua só se fazia quase por motivos inadiáveis! O sol abrasador daquela tarde de Agosto era convidativo ao encontro abrigado de uma qualquer sombra, mas a ousadia da caminhada a que me propuz, não se fez esperar, porque o que eu queria  mesmo, naquele dia,  era matar a sede provocada por um calor que eu achava não ter o direito de suportar!

 Assim pensando, melhor o fiz! Saí de casa com cinco tostões no bolso e lá me dirigi  ao Café do senhor Manuel Gregório, situado no número 82 da Rua 1º de Dezembro!  No pequeno percurso,  verifiquei como um grupo de  libelinhas esvoaçava  por cima de uma  pequena linha de água que corria na valeta,  proveniente de fugas por má vedação que por vezes  existiam  na fonte da Rua de Baixo!  Estes insectos, lembro-me de assim  ter feito a minha interpretação, deviam estar, tal como eu,  ávidos de se refrescarem, ou então, concluo hoje com muita mais probabilidade de acerto, na procura de quaisquer nutrientes ou mesmo mosquitos que pudessem contribuir para a sua alimentação diária! Tentei, ao vê-los no seu voo ziguezagueante e  muito por culpa da então minha ingenuidade, apanhar um, mas estes seres vivos,  multicolores, sabiam bem como responder a este tipo de  adversidades!

A senhora Domicília  ao ver-me, respondeu-me com aquele seu ar  amável com que  sempre nos habituou:
 - Olha Néu, hoje não tenho gasosas, só há laranjadas! Queres?
 - Não faz mal,  levo na mesma! Respondi eu,  sem me importar muito com a  proposta sugerida!

As laranjadas naquele tempo eram  equivalentes aos nossos bem conhecidos refrigerantes de hoje! A sua  constituição era muito à base de  àgua,  açúcar e naturalmente os imprescindíveis corantes artificiais! Eram vendidas em garrafas de vidro incolor e por isso favoráveis a que o alaranjado da bebida  funcionasse  perfeitamente ao encontro do apetite do consumidor! 






No Café do Manuel Gregório (pessoa respeitável de quem guardo, a título de curiosidade, a lembrança de ter sido ele que me deu, nos deu a nós jovens adolescentes,  a conhecer duas bebidas  inesquecíveis: o  brandy Casal Sereno e  uma aguardente algarvia de medronho e mel,  de marca Antonino)   para além dos seus proprietários,  passaram por lá na função de empregada de balcão, uma moça que não vejo desde a minha adolescência, de seu nome Silva,  mas também  mais tarde, a  Domicilia Narciso  e  a sua irmã  Teresa !  

Esses tempos tinham inevitavelmente um outro sentido! Lembro-me, a propósito,  da noção que nós, os mais jovens,  tínhamos  em relação às  dimensões físicas das coisas e de como afinal quanta diferença existe  nesse imaginário longínquo de olhar a vida!
Naquelas noites de quintas feiras em que havia corrida de toiros em directo pela TV, ou nas transmissões de hóquei patins com Portugal a dar grandes cabazadas aos seus adversários, a sala do Café do Manuel Gregório  enchia-se de gente   e  uma "multidão" de olhar fixo para um  pequeno televisor instalado  em cima dum parapeito quase junto ao tecto, vibrava com a pega mais arrojada de António Zuzarte ou com os inesquecíveis golos de Livramento!

Hoje quando entro naquele espaço e me recordo desses tempos, interrogo-me como  foi possível,  numa  área  onde não cabem seguramente mais do que seis mesas quadradas de setenta centímetros de lado, a nossa capacidade visual ter sido tão fiel ao sonho!






O tempo de regresso a casa  foi, naturalmente,  em passada muito mais acelerada! A minha fresquinha laranjada  "AHA"  estava  "no ponto"! Agora, nada me poderia  opor  ao prazer de um momento tão ansiosamente esperado,  naquela tarde quente de Agosto,  à sombra de uma velha figueira no quintal dos meus avós!





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